O euismo, o outrismo e o nossismos são formas (ins)conscientes de ideologia e de comportamento de educação, de socialização, de culturação e, quiçá, de politização. A Narrativa Moçambicana precisa e deve ser indagada de forma cristalina por várias áreas do saber, não para encontrar a resposta ou fórmula mágica, mas, para juntas, estas áreas do saber terem ferramentas e instrumentos analíticos para ofertar a sociedade para um melhor entendimento desta desta bela narrativa com nome masculino: Moçambique.
Qual seria o contributo da Psicologia (Social) para o ethos Moçambique como um campo fértil, despido, cru, místico, completo, incompreensível, curioso e por lapidar? Ou por outra, esta elasticidade composta por uma (des)harmonia dos contrários é aqui pensada não de forma preconceituosa, mas sim, na sua relação entre o euismo e outrismo onde ambas levariam ao nossismo. Pois, para uns, a Narrativa Actual Moçambicana pode ser um campo de aberturas analíticas e, para outros, pode ser um campo fechado, linear e sem esperança, quando estes dois não comunicam, não procuram uma forma de entendimento, entram para um status quo nocivo que levaria a pontes quebradas, onde de um lado tens o eu e do outro lado bem distante tens o outro que pensa de forma diferente e, consequentemente, é visto como o eterno outro a abater (no sentido de: colocar à margem da sociedade e da cidadania), o que seria o nossismos.
A Psicologia Social seria uma umbrella de análises e indagações sobre o comportamento social e cultural do indivíduo em grupo, ou seja, o que somos e fizemos enquanto seres que comumicam com os outros, seres que estabelecem pontes com as normas e o ethos sociais, seres com comportamentos, atitudes, crenças, culturas, práticas, estereótipos, preconceitos, por um lado, e, por outro lado, seres com bondade, seres com empatia, seres com ética e seres com honestidade.
Estas categorias elásticas, que fazem parte do ethos social, com reforço do ethos comportamental, pautam por um hermêneutica dos significados, das intepretações, do entendimento e das pontes quebradas e afastadas entre o eu e o outro como formas conscientes e insconscientes de ser, estar, fazer, dar, receber, retribuir e contrubuir, ou seja, fazer parte de, ser parte de, apropriar-se de, neste triângulo: euismo, outrismo e nossismos.
A base para esta viagem epistémica, que cruza ricas e diversificadas áreas do saber, pode ter várias significações, percepções e interpretações. Para mim, e dentro da Psicologia Social, o interesse maior, e não o único, é a comunicação e socialização entre o eu e o outro, por um lado, os juízos de valores que o eu constroi sobre o outro e vice-versa e as consequências culturais, educativas, sociais e políticas destes juízos, por outro. Como conviver em sociedade se mal nos toleramos, comunicamos e nos entendemos?
O Psicologia Social do Eu e do Outro surge como uma campo de análise e reflexão sobre a comunicação, a socialização, o comportamento e a cultura do eu perante o outro quando achamos que o outro é diferente.
O eu na teoria deve ter uma obrigação moral com o outro e o outro deve ter a mesma obrigação com o eu (Nussbaum, 2009). Mas a prática social e cultural entre o eu e o outro no lugar de ser eu-outro, persiste em ser eu e outro.
O eu e o outro pressupõem a existência uma comunicação ética e empática, enquanto categorias das nossas relações grupais, pois só somos eu e eles porque existe uma relação com o outro, mas o que acontece quando:
- O eu não comunica com o outro?
- O que acontece quando o eu não têm empatia pelo outro?
- O que acontece quando não partilhamos o nosso ethos com o outro?
- O que acontece quando o eu não nutre a bondade para com o outro?
- O que acontece quando o eu é linearmente individualista e não um eu social? Ou melhor, o que seria eu social?
- O que acontece quando o eu se transforma em nócivo e tácito?
- O que acontece quando assumimos que para fortalecer o eu precisamos destruir o outro?
Mas é importante perceber que o lugar do eu e do outro não são tácitos, o eu de hoje pode fluir para o outro e o outro pode fluir para o eu, mas será que, na Narrativa Moçambique, assistimos socialmente a esta dinâmica ou mutação?
Porquê destruir o outro?
Teria a Narrativa Moçambique monstros e fantasmas com o poder de perigar a relação entre eu e o outro, ou criamos nós estes monstros e fantasmas mentais e imaginários como uma consequência da fobia pela diferença e pelo diferente? Para tal falo das várias nuances do nossismo dentro do ethos da Psicologia Social, a saber:
1. Nossismo comunicativo como uma forma que ganha espaço na significação da nossa narrativa, onde os ciber-intelectuais, com recurso à popularidade (não confundir com populismo), criam fábricas mágicas de pós-verdades como se a Narrativa Moçambique se tratasse dos contos da “Alice no país das maravilhas” (nada contra a Alice), ou seja, este ethos funciona dentro das cavernas e das torres de marfim (como se de contos aos quadradinhos se tratasse) sobre falsos eventos, sobre falsas verdades. Esta fabricação é do eu face ao outro, nesta luta pelo pódio na Narrativa Moçambique. Estariamos perante a morte da verdade, em Moçambique? A verdade morre ou teria morte em Moçambique?
2. Nossismo identitário como forma de marcar território representa uma outra nuance da periculosidade da relação eu e outro. Os temas actuais na nossa Narrativa giram por volta da identidade tribal, regional e, quiçá, por voltas gemas ou moçambicanos de primeira e os moçambicanos de segunda. Esta forma linear e fechada de ver e mergulhar no ethos do país funciona para legitimar as diferenças (formas excludentes) no lugar da tão sofrida e bem conseguida narrativa: unidade nacional. Mas:
- Somos unidas e unidos?
- Temos condições psíquicas para pensar nesta bela conquista: unidade nacional?
- Como funcionada a nossa unicidade?
- Como as moçambicanas e os moçambicanos vivem as relações multiculturais, num país bilionário na cultura e na diferença?
- Como as nossas singularidades socializam a nossa unicidade?
- Como as dinâmicas dos vários grupos transbordam no espaço público?
3. Nossismo cultural como o status quo de ser ou não moçambicana e moçambicano de gema, local, a dona e o dono, pode ser legitimada e reforçada pelas formas do poder político e legal. A capulana como artefacto social é assumada como o expoente máximo da expressão da nossa cultura, mas de forma livre e expontânea. O que se assiste hoje: toda uma legistura de capulana, não tem nulheres e não tem homens, estamos perante o eu-capaluana nos espaços públicos e privados, ou seja, a capulana sai do binómio privado-público para público-privado. Será de livre vontade? Estarão felizes com o eu-capulana? Como são vistos os que não assumem o eu-capulana no espaço público? O Nossismo Cultural faz parte de um ethos inflexível, que é legitimada pelos grupos através da cultura, ou seja, a questão não é cultural per si, a nossa cultura ou a vossa cultura não fazem parte da génese do nossismo cultural, mas, a génese da questão deve ser analisada a partir dos pequenos grupos que ‘tendam’ ser donas e donos da cultura. O que seria cultura para o país bilionário, culturalmente?
4. Nossismo político é elevação e legitamação da intolerância no seio dos grupos, dos movimentos e dos partidos políticos, podem ser assumidas como uma forma de violência simbólica, sem mencionar aqui as várias nuances e dimensões da violência associada a este ethos. No lugar de perceber o outro, no lugar de comunicar com outro, o encaramos como sendo um inimigo por abater do espaço político no lugar de uma co-habitação política, num contexto de liberdades individuais e colectivas. A Psicologia do eu e do outro pode ser cultural por acharmos que a nossa forma de ser é superior às outras formas de ser.
A Psicologia do eu e do outro pode ser política por este espaço estar a evoluir para um espaço de intolerância e exclusão, por excelência, de tudo e todos que ousam pensar e ser diferentes.
A Psicologia do eu e do outro pode ser racial por acharmos que o nosso tom de pele é inferior ou superior aos outros.
Last not least, a Psicologia do Eu e do Outro pode ser um estado de espírito mental pois cega os seus actores, que vivem amarrados no euismo e tentam destruir o outro por este ser diferente.
A Psicologia do Eu e do Outro explora as seguintes categorias ligadas à intolerância:
- Obsessão pelo facto do outro ser diferente;
- Paranóia sobre o que o outro esta a pensar ou fazer;
- Desmoralizar o outro no espaço público por ser diferente;
- O eu como status quo;
- O outro como viente.
Estamos perante um eu assustado com o outro porque o outro é diferente. Diferença não de tamanho, cor, peso, género ou sexo, diferença mental, diferença cognitiva, diferença por pensar e ser diferente.
A diferença para o euismo não é bela, ela é, sim, o perigo, ela é, sim, uma forma de inimizade, uma forma de fazer e criar inimigos.
Estamos perante um cenário de institucionalização e legitimação do medo pelo outro, caso aceitem, estamos perante um cenário que abre espaço para o surgimento da Psicologia do Medo, um medo que não é vazio, não é abstracto, mas que é construído social e culturalmente, e as nossas atitudes, os nossos comportamos, as nossas crenças vão se apoderando deste, desta forma de ser, estar e fazer, dentro do ethos medos.
Esta culturação do medo cria pontes para o surgimento de uma sociedade fria e de pessoas cínicas, ou seja, um verdadeiro palco de fake representation pois não é seguro ser honesto, ou, por outra, a honestidade sai do ethos grátis para o ethos caro.
O ethos medo pode assumir as seguintes categorias:
- Inimigos imaginários;
- É um estado mental medo;
- O medo como norma social e não ter medo parece ser algo anormal, ou seja, o perigo para a sociedade é a própria captura da sociedade, pois estamos num contexto onde achamos que o silêncio é o normal;
- O medo está associado ao clube de inimigos (os diferentes) e não ao clube de amigos.
Mas o medo tem dois lados:
- O euismo tem medo do surgimento, do fortalecimento, da legitimação de uma sociedade multidiversificada, de uma sociedade clorida pela diferença;
- O outro, por ser tido como diferente, é escrutinado, é ilimitado e, quiçá, prejudicado e violentado por ousar ser diferente. Este passa a ser refém da sua liberdade e segurança por ser considerado como diferente.
Last not least
O outro, no nosso ethos, significa, tristemente, ser da oposição. E ser-se da oposição seria algo estranho num contexto multipartidario? É uma forma de socialização do poder, são formas os grupo ou as elites com poder legitimam o medo no nosso contexto. Aqui entra o homo politicus e homo economicus onde, em nome destas alianças e influências, somos forçados a entrar para um ethos de silêncios pois, pelos poderes, o nosso espaço privado passa a ser alvo cada vez mais das formas excludentes dentro da sociedade.
Esta pequena elite funciona com a Democracia da Abelha Rainha, onde todo o game e concept note são à luz e ao prazer dos desejos e prazeres da Abelha Rainha.
A Democracia da Abelha Rainha é tão forte que ela cria o modelo de Democracia Estomacal. A democracia da mesa, ou melhor, a democracia do sentar à mesa. O problema da mesa é que ela tem lugares limitados e, por sermos ‘assimilados’, preferimos a mesa à esteira, mas a mesa não tem lugares para todos (parafraseando Nuvunga, 2018).
A Democracia da Abelha Rainha tem apelidos, tem rostos, e não é possível, para ela, conhecer os apelidos dos 28 milhões de habitantes. Daí que ela deve estar preparada para ‘gerir’ os conflitos, pois são muitos para poucos assentos, e, por outro, temos a one million dollar question: quem se senta à mesa?
Continua…. (parte I)
Nota: * este conceito foi apresentado, debatido e enriquecido na I edição do Café MozOnline, do grupo de whatsApp MoçambiqueOnline, com a finalidade de reflectir sobre as várias nuances e conjunturas da narrativa Moçambique, de forma livre, diversificada e inclusiva.